Cinco dicas para sobreviver a um doutorado

Quem passa por um mestrado já sabe o sofrimento que é se debruçar por dois anos sobre um mesmo objeto, dissecando-o, problematizando-o e sempre, infinitamente, encontrando novas referências que podem mudar totalmente a abordagem que você está fazendo sobre aquele objeto. No doutorado, esse sofrimento é multiplicado por dois, pois são quatro anos e a exigência de produzir algo de excelência é muito maior. Muitas vezes sentimos que se trata da obra da nossa vida, e isso é sério demais, aumentando muito a cobrança que fazemos sobre nós mesmos.

E daí que não é nada incomum que muitas pessoas, durante o doutorado, acabem iniciando, ou piorando, processos depressivos, ansiedade, pânico. Há quem se divorcie, ou decida abandonar tudo e mudar totalmente o tema, e muitos desenvolvem problemas de saúde que depois se tornam crônicos, como hipertensão. Até a quantidade de fios brancos na cabeça e de rugas pelo rosto se alastra – não, isso é só culpa da idade mesmo.

Enfim, trata-se de um período muito solitário, já que desenvolvemos esse grande projeto sozinhos – por mais que o ou a orientadora esteja presente. O cotidiano é solitário e nem sempre temos com quem conversar sobre o nosso trabalho, para falar das descobertas, dos impasses, dos desafios. E, ainda por cima, temos de gerir nosso tempo de leitura, de escrita, de trabalho empírico, os eventos académicos que vão surgindo, o aprendizado de línguas, de softwares de apoia à pesquisa, manter a leitura em dia, e ainda acompanhar a realidade do nosso país, do mundo. E ainda ser mãe, esposa, filha, cuidar da casa, da roupa, da própria saúde…

Para não surtar, venho desenvolvendo algumas atividades que acabam me fazendo bem e que tem me ajudado a não me sentir tão cansada com o doutorado. Fiz uma lista e vou compartilhar, com a ideia de quem sabe servir de apoio para outras pessoas que estão no mesmo barco. Vamos lá.

  1. Arranjar um hobbie, em especial se for um trabalho manual. Algo que dê prazer, que ocupe de algum modo seu tempo livre, para que não fique só na frente do computador com raiva do que vê no Facebook. Eu comecei a fazer bordados e depois voltei para o crochê. Faço quando estou com a cabeça pesada de tanto pensar. Melhor coisa do mundo.IMG_20180925_163101
  2. Não deixar de fazer exercícios físicos. Parece clichê, mas não é: a cabeça pensa muito melhor quando o nosso corpo está bem. Não precisa virar um atleta de competição. Mas não dá pra ficar parado. Eu comecei a frequentar uma academia (ginásio, em Portugal), mas ainda assim me custava, eu não gostava de ir. Agora me encontrei no pilates e na yoga. Conto os dias para ir lá me esticar um pouco. O importante é fazer algo para deixar o corpo em movimento, e mais ainda se gostar, mantendo uma rotina.
  3. Ler literatura, e não só textos acadêmicos. No doutorado, lemos sem parar, não só quando estamos fazendo uma revisão de literatura. É o tempo todo. E cansa. Você começa a ser até mais pragmático, lê o resumo, as conclusões e de alguns textos vai ler o miolo, para encontrar algo que pode ser muito útil. Esse tipo de leitura não dá prazer, é funcional. Mas ler é muito prazeroso, e não podemos esquecer disso. Não me tornei uma máquina de leitura, mas quase todas as noites, na hora de dormir, leio um pouco, e nisso já li alguns livros fantásticos ao longo do meu doutorado. Vale demais a pena.
  4. Reservar ao menos um dia da semana para não fazer nada. Bem, eu não diria não fazer nada, exatamente, porque quem tem filhos como eu sabe que isso é quase impossível. Mas é sair, aproveitar o dia de sol, ir ver os amigos, sem pressa e sem aquela pressão de ter que estar trabalhando. É seu dia de folga, mais do que merecido.
  5. Escrever um blog para desabafar sobre a tese. Esse foi o meu caminho para suprir a falta de ter com quem conversar mais longamente sobre o que eu estava fazendo. Pode ser um diário pessoal também, que ninguém leia, mas estabelecer algum nível de diálogo, mesmo que seja consigo mesma, é de certo modo acalentador e nos ajuda a refletir sobre o próprio processo de construção da tese.

Fora tudo isso, recomendo que se escreva a tese desde sempre (já falei um pouco sobre a escrita acadêmica num texto anterior). Mesmo que não seja um texto acabado, pronto para ser o texto final da tese, sentir que estamos escrevendo já nos dá confiança de que tudo vai terminar bem. E ter sempre a certeza de que este não é “o” trabalho da sua vida. É um dos primeiros como acadêmico. Então, vai ser imperfeito, incompleto, passível de receber críticas. Mas vai ser um trabalho respeitável, relevante, que vai trazer contribuições para o campo acadêmico e, quem sabe, para a sociedade. Nem que seja uma contribuição pequenina, mas estará lá. Manter a autoconfiança e a autoestima é ultranecessário em qualquer trabalho, ainda mais ao desenvolver um projeto tão grande como é uma tese.

Autor: Kamila Fernandes

Jornalista de formação e de paixão, me enveredei pelo universo acadêmico e agora busco questionar os parâmetros mais básicos do próprio jornalismo, numa busca por repensar e até melhorar esta prática. Desde outubro de 2015, faço doutorado em Estudos de Comunicação no Instituto de Ciências Sociais, da Universidade do Minho, em Portugal, tendo como objeto de estudo iniciativas de jornalismo alternativo audiovisual. Minha ideia é compreender que sentidos são produzidos por este tipo de produção que reúne informação e engajamento político.

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