Carta-protesto em homenagem ao dia do jornalista

Há alguns anos, o jornalismo não era tão valorizado. As audiências das emissoras de TV, abertas e pagas, dos sites dos jornais e das rádios há muito tempo não eram tão robustas. As pessoas voltaram a consumir jornalismo porque querem ter acesso a informações credíveis, não se contentando apenas com o que disse o primo da amiga da vizinha.
Essa revalorização, porém, não significa que os ataques ao jornalismo cessaram. Os ataques persistem, partindo inclusive de onde menos se espera, das redações dos jornais.
Um exemplo vem, mais uma vez, da redação do jornal O Povo (Fortaleza-CE), que, ainda na primeira semana do distanciamento social proposto para restringir a disseminação do coronavírus, na segunda metade de março de 2020, demitiu muitos jornalistas. Alguns, inclusive, com décadas de casa, prêmios e imensos serviços prestados à sociedade.
Neste 7 de abril, temos que aplaudir os profissionais que seguem nas ruas, arriscando a sua própria vida e a dos familiares, para levar informação aos cidadãos. Devemos aplaudir aqueles que continuam fazendo plantão na frente do Palácio do Alvorada, ao mesmo tempo em que lamentamos quando estes são categoricamente ignorados ou alvos de xingamentos, como se fizessem parte de uma esquete de humor de quinta categoria encenada por quem ocupa a Presidência da República. Devemos aplaudir aqueles que, de casa, em meio aos cuidados com os filhos, com os pais e outros familiares, e ainda com toda a preocupação em relação ao que acontece no resto do mundo, seguem à busca de informações, muitas vezes sem qualquer apoio das empresas de comunicação para pagar energia, internet, ligações telefônicas, e mesmo assim mantendo o compromisso máximo com a apuração rigorosa, com a ética e com o interesse público.
Este é um dia para ser, sim, celebrado, mas também para protestarmos e para refletirmos sobre formas mais sustentáveis e menos mercadológicas de garantir a produção jornalística de forma perene e consistente. Essa reflexão já foi iniciada por instituições como o Intervozes e por pesquisadores da área de jornalismo, mas precisa ser definitivamente abraçada pela base, com o fortalecimento dos sindicatos que envolvem a categoria. Nas universidades, também devemos fazer mais, ao não só focar na formação de jornalistas para as redações, mas para pensar na produção e gestão da comunicação de uma maneira bem mais ampla, quiçá focando na comunicação pública, que não significa comunicação de um governo, mas sim de toda a sociedade, ao ser regulada pelos cidadãos.
Neste dia do jornalista, aplaudamos a essência dessa prática, que é trazer à tona relatos relacionados a acontecimentos de interesse social que são fundamentais para podemos refletir sobre os rumos das nossas vidas, sobre o que queremos para o futuro, sobre o que deve ser feito coletivamente. Que o jornalismo voltado para o interesse privado, focado no mercado, nos altos e baixos das bolsas, perca espaço e seja cada vez mais uma exceção. Que esta pandemia seja uma boa oportunidade para que se evidencie o quanto a sociedade precisa e gosta do jornalismo voltado ao interesse público, preocupado com as pessoas que age em direção à busca pela justiça social, não pelos ganhos financeiros de meia dúzia de ricaços. Precisamos do jornalismo e vamos lutar por ele.

Autor: Kamila Fernandes

Jornalista de formação e de paixão, me enveredei pelo universo acadêmico e agora busco questionar os parâmetros mais básicos do próprio jornalismo, numa busca por repensar e até melhorar esta prática. Desde outubro de 2015, faço doutorado em Estudos de Comunicação no Instituto de Ciências Sociais, da Universidade do Minho, em Portugal, tendo como objeto de estudo iniciativas de jornalismo alternativo audiovisual. Minha ideia é compreender que sentidos são produzidos por este tipo de produção que reúne informação e engajamento político.

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